
O Brasil e o mundo ainda não estão em condições de mudar o caráter da Covid de pandemia (quando há uma situação de emergência sanitária global) para então considerá-la uma endemia (estágio de convivência com o vírus, com número estável de casos e mortes). A constatação é de especialistas ouvidos pela reportagem.
No caso do Brasil, a média móvel diária de mortes acima de 800 pelo 15º dia consecutivo torna essa realidade ainda mais distante, dizem os cientistas.
Na última segunda (21), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, falou em “fim do caráter pandêmico” do vírus. Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) já vê a redução do número de mortes como um “controle” da situação pandêmica.
Já a Inglaterra foi a primeira grande potência econômica da Europa a retirar totalmente as restrições contra o coronavírus. Na última segunda (21), o primeiro-ministro Boris Johson anunciou um programa de “convivência com o vírus”, em que o autoisolamento para pessoas infectadas deixa de ser obrigatório.
A retirada de um caráter pandêmico restringe as medidas públicas e de excepcionalidade de combate à doença. Segundo os especialistas, isso não significa que a Covid-19 não vá passar para a fase de endemia, mas só não estamos lá ainda.
“O que define o fim de uma epidemia ou pandemia é uma série de fatores em conjunto, não apenas um indicador específico de óbitos ou casos”, explica Maria Amélia Veras, epidemiologista da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Algumas doenças, como a Aids, após quatro décadas ainda não deixaram o caráter pandêmico, ela lembra.
“Uma epidemia continua sendo um problema social muito grande, então ela remete a um apelo emergencial”, diz.
Além disso, diferenças regionais não permitem uma transição em conjunto no planeta. Enquanto em países mais ricos há políticas amplas de testagem contra Covid e grande oferta de vacinação, no hemisfério sul, há locais que ainda não vacinaram nem 2% das suas populações, como o Haiti.
Outro fator que impede o anúncio do fim da pandemia é a própria novidade que a Covid representa para o mundo, diz Paulo Lotufo, epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP.
Já Julio Croda, pesquisador da Fiocruz, acredita que a diminuição da letalidade do coronavírus, com uma incidência hoje equivalente a um vigésimo do que foi observado durante a onda de casos em 2021 com a variante gama, é um indicador de como podemos estar próximos do fim da pandemia.
A própria discussão de se a Covid seria uma doença sazonal ou viria em ondas, como as registradas no passado, acabou dificultando ações de caráter mais global, avalia Maierovitch.
“Já vimos outras vezes no Brasil uma subida de hospitalizações e mortes em ondas anteriores e depois uma queda lenta. Na África do Sul, a ômicron subiu como um paredão, e a descida foi em queda livre. Os Estados Unidos continuam com um patamar muito elevado”, recorda.