Saúde

Vício em consumir conteúdos pornograficos já é considerado mais difícil de tratar do que o vício em drogas, segundo psiquiatra

Folhapress

O vício em pornografia é causado pelo mesmo mecanismo que leva à dependência de drogas e álcool. No entanto, o diagnóstico e tratamento do consumo excessivo de pornografia são mais difíceis e dependem do suporte familiar para o sucesso da recuperação.

É o que afirma o psiquiatra Daniel Proença Feijó, secretário-geral do departamento de sexologia da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

“As dependências que antes nos preocupavam eram principalmente as químicas. Hoje, nossas preocupações se voltam para as dependências digitais, que estão se tornando cada vez mais comuns no Brasil, afetando tanto crianças quanto adultos”, diz.

Segundo Feijó, seja qual for o vício, as alterações nos neurotransmissores do cérebro associados ao prazer, como dopamina e serotonina, são semelhantes.

Quando o sistema nervoso central percebe que o corpo está recebendo doses extras de dopamina e serotonina por estímulos externos, como drogas ou pornografia, ele reduz a produção natural desses hormônios.

Com a diminuição, o indivíduo sente a necessidade de buscar cada vez mais esses estímulos externos para recompensar a falta dos sentimentos de prazer.

Logo, o cérebro se adapta a essa nova realidade -em um processo chamado de neuroplastia cerebral. É a partir de então que se inicia um ciclo viciante baseado no prazer e na recompensa imediata.

Emboras os vícios funcionem a partir de um processo neurobiológico parecido, a dependência em pornografia é uma patologia mais difícil de ser reconhecida. Um dos maiores desafios é o tabu relacionado ao assunto, já que aqueles com vício em pornografia escondem o problema e demoram para buscar tratamento, diz o médico.

“O dependente em pornografia tem muita vergonha de tocar naquele assunto. É difícil ele chegar e dizer ‘eu tenho um vício em pornografia, meus celulares são cheios de fotos, eu vivo o dia a dia olhando sites pornográficos’. Se torna algo aterrorizante para ele”, afirma.

Além disso, o diagnóstico do vício em pornografia é mais complexo pela falta de critérios objetivos que definam uma quantidade aceitável de consumo.

O importante é reconhecer quando esse consumo foge do controle e causa consequências negativas no dia a dia. Mas isso passa pela superação do estigma de falar sobre o transtorno.

Outra diferença entre o vício em pornografia e o vício a drogas é o tratamento. Enquanto o acesso a drogas é restrito e ilegal, a pornografia não tem restrições. O conteúdo está disponível a qualquer momento, com apenas um clique, sem a necessidade de deslocamento ou custos adicionais.

“As drogas são proibidas, então o paciente tem medo de ser preso. Já a pornografia é uma dependência que não tem proibição do consumo”, afirma o psiquiatra. “Tem paciente que, durante a consulta psiquiátrica, quer abrir o celular na frente [do médico] para ver alguma coisa”.

Uma das primeiras estratégias para contornar essa situação é o controle e o monitoramento do acesso à pornografia, como a utilização de mecanismos que bloqueiam os sites com esse tipo de conteúdo. Outra dica é manter o paciente ocupado a maior parte do tempo, como por meio de um hobby, atividade física, trabalho ou estudos, diz o especialista.

O tratamento do vício em pornografia muitas vezes requer o uso de medicamentos que reduzem o desejo sexual.

Um deles é a paroxetina, um inibidor seletivo de serotonina, que tira todo o apetite sexual do paciente. A neuroplasticidade cerebral desempenha um papel fundamental nessa etapa.

Feijó explica que o cérebro de um paciente viciado em pornografia precisa ser reeducado para não depender dos estímulos externos que anteriormente proporcionavam prazer.

“O cérebro faz uma nova formação, uma reeducação daquilo que ele precisa”, afirma.

Feijó enfatiza que o apoio e o acolhimento familiar são fundamentais para o sucesso da recuperação.

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